Por Denise Chrispim, do ACNUR Hortence Mbuyimwanza, advogada vinda da República Democrática do Congo (RDC) e mãe de quatro crianças, quer abrir um negócio em São Paulo, onde vive como refugiada.
Por Denise Chrispim, do ACNUR
Hortence Mbuyimwanza, advogada vinda da República Democrática do Congo (RDC) e mãe de quatro crianças, quer abrir um negócio em São Paulo, onde vive como refugiada. Não sabe ainda qual – se uma barraca de comida típica, uma lojinha, um serviço de entrega de quentinhas. Mas está ciente que essa é a melhor alternativa, neste momento, do que continuar a fazer bicos, como o de lavar pratos em lanchonetes. No dia 23 de maio, Hortence reuniu-se a outras 19 mulheres vindas da África e do Oriente Médio no projeto Empoderando Refugiadas.
Durante a série de palestras desse projeto, as 20 refugiadas absorveram as primeiras noções sobre empreendedorismo e sobre como dar passos mais ambiciosos na reconstrução de suas vidas no Brasil. Hortence, como várias de suas colegas, demonstrou ter características básicas para empreender – entre as quais, coragem, criatividade, responsabilidade e exposicão ao risco – e disposição para enfrentar um dos principais obstáculos para os refugiados no Brasil: falar português.
“Eu tenho formação em Direito. Não sei nada sobre negócios, sobre fazer produtos, sobre como vendê-los. Então, preciso aprender. E não vou deixar de falar em português, mesmo com os meus erros”, afirmou Hortence, com forte sotaque francês.
O projeto Empoderando Refugiadas é uma iniciativa do Grupo de Direitos Humanos e Trabalho da Rede Brasil do Pacto Global, junto com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a ONU Mulheres, a Caritas São Paulo, a empresa de recursos humanos Fox Time e o Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR). O projeto conta com o apoio das Lojas Renner, Itaipu Binacional, Sodexo e Consulado da Mulher. O foco principal do workshop foi a abertura de negócios na área da alimentação.
Segundo Vanessa Tarantini, responsável pelas parcerias e engajamento da Rede Brasil do Pacto Global, o Empoderando Refugiadas tem o objetivo de oferecer meios para esse grupo de mulheres contribuir para a economia do país onde vivem, de estimular a autoconfiança e de ensiná-las sobre a cultura brasileira nas áreas de trabalho e de negócios.
Microempreendedoras Individuais
O grupo de 20 mulheres foi apresentado a um passo a passo sobre como abrir a forma mais simplificada de empresa existente no Brasil – o Microempreendedor Individual (MEI) – e sobre os benefícios de tomar esse rumo formal. Recebeu ainda exemplos didáticos sobre as qualidades requeridas para o sucesso de seus futuros negócios.
Também refugiada no Brasil, Sylvie Tchocgnia sonha preparar e vender churrasquinho nas ruas de São Paulo. Às voltas com regras de formalização para ela incompreensíveis e com obstáculos burocráticos, essa mãe de família vinda da RDC. “Eu já fui atrás de autorização e não consegui”, queixou-se, ao lembrar de sua iniciativa de criar um meio de vida em um ambiente de negócios que desconhecia.
Para o caso de Sylvie e de todas que pretendem ingressar no setor de alimentos, foi ressaltada nas palestras a necessidade de se cumprir com requisitos oficiais. Entre eles, a obtenção de alvará da Vigilância Sanitária Municipal e de licença do Corpo de Bombeiros, a consulta dos locais onde é autorizada a venda de alimentos e o cuidado especial com a qualidade e validade dos seus produtos.
Novas mídias
As refugiadas também foram sensibilizadas a se valerem das redes sociais e de novas tecnologias para divulgar e fortalecer seus possíveis negócios. Em um capítulo especial, Julia Moura, fundadora da empresa Tunnel Lab Brasil, as estimulou a buscar os meios disponíveis e gratuitos em São Paulo para inovar e criar novos produtos. Julia apresentou o conceito de tecnologia como “tudo o que ajudar a tirar uma ideia do papel, a começar por um lápis” e expôs as refugiadas à experiência da impressão 3D.
O Empoderando Refugiadas deixou claro que o caminho da abertura de um empreendimento não é fácil nem curto para refugiados e brasileiros, mas pode ser exitoso. Para trazer uma experiência local, o Consulado da Mulher contratou a Lee & Maga, uma MEI, para preparar e servir o almoço. As responsáveis pela MEI relataram suas experiências como empreendedoras, a ajuda recebida do Consulado da Mulher e se dispuseram a dar aulas em sua casa/empresa às refugiadas sobre como organizar um novo negócio e preparar receitas.
Também foi convidada a expor Mariana Dias, uma profissional brasileira de relações públicas que desenvolveu produtos e técnicas de manicure sem uso de instrumentos cortantes e uma rede de atendimento à clientela. Mariana ofereceu a parceria de sua marca, a Manicura Express, às refugiadas que pretendem criar uma MEI. Elas atuariam em hoteis, onde seus conhecimentos de outro idioma facilitariam o contato com clientes estrangeiros.
Refugiada empregada
Entre as refugiadas presentes, Prudence Kalambay, mãe de cinco crianças e jovens, ouviu Danielle Pieroni, gerente da FoxTime, enfatizar o perfil emocional do consumidor brasileiro e sua tendência de comprar se o vendedor lhe contar uma boa história. Vinda da RDC, Prudence resolveu relatar sua própria experiência no Brasil ao grupo.
Ela já havia participado dos encontros promovidos pelo projeto Empoderando Refugiadas e conseguiu emprego na rede de lojas Marisa. Começou na seção de lingeries de uma loja da rede, também signatária da Rede Brasil Pacto Global. Mas a gerente preferiu deslocá-la para outra área logo depois de uma primeira conversa.
Na seção de provadores, as clientes passaram a interrogá-la sobre seu sotaque e sua história de refúgio – oportunidade para Prudence abrir um sorriso, oferecer um produto da marca e melhorar seu desempenho: “Então, você já tem um cartão Marisa?” “Eu estou contente com meu emprego. Mas sonho em abrir um salão de cabelereiros, porque faço tranças africanas, ou uma loja de cosméticos, como quer uma das minhas filhas”, disse. “Talvez eu abra os dois.”
Assessoria em gestão
O Consulado da Mulher oferecerá assessoria sobre gestão de negócios e sobre outros desafios para as refugiadas que vierem a abrir suas MEIs, assim como fez com a empresa Lee & Maga e com outras iniciativas de brasileiras de baixa renda, conforme informou Érica Zanotti, coordenadora de Desenvolvimento de Programas Sociais da Consul. A marca Consul mantém há 14 anos o Consulado das Mulheres e pertence à empresa Whirlpool. Trata-se de uma das mais de 740 participantes da Rede Brasil do Pacto Global.
Dados recentemente divulgados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) mostram que as mulheres compuseram 19,2% do total de 28,7 mil solicitantes de refúgio no Brasil entre 2010 e 2015. O porcentual equivaleu a 15,9 mil mulheres. Dentre os 8.493 refugiados já reconhecidos até o final de 2015, 28,2% – ou 1.273 – são mulheres. São consideradas refugiadas as pessoas forçadas a deixar seus lares e até mesmo seus países por causa de conflitos e de perseguições políticas, étnicas ou religiosas.